20 de julho de 2011

Pensar em Si by Isabel Leal

Com alguma estranheza, vai-se ouvindo dizer a algumas pessoas que não pensam em si mesmas. Dizem que deixam os dias correr, sem tempo nem disponibilidade para se interrogarem se o que fazem tem, de facto, sentido. Na lufa-lufa das tarefas que se sucedem e dos acontecimentos que não param, esticam os braços qual malabarista desajeitado e lá vão mantendo em funcionamento um modo de vida impositivo que, sendo o seu, os arrasta e leva de reboque. É típico das mães de família que, por entre as múltiplas tarefas comuns a toda a gente, ainda têm que gerir 2 ou 3 crianças em idade escolar, com actividades extracurriculares, amiguinhos e festas de anos, doenças e más-disposições. Mas qualquer indivíduo sem filhos e sem casas para gerir consegue, com demasiada facilidade, enredar-se em rotinas que esmagam. Para qualquer um, nos tempos que correm, os dias de trabalho são longos, muito longos, e cheios de miudezas, de "post-its" coloridos pendurados um pouco por todo o lado; de listas de coisas a fazer que nunca acabam nem se completam; de sentimentos de urgência em relação ao que já devia estar feito e não consegue sair da imaginária pasta dos assuntos pendentes; de uma vaga e difusa culpabilidade instalada, à pala das visitas e telefonemas que não se fazem, da assistência que não se dá a quem precisa e se deve, da gentileza que não se consegue a maior parte das vezes.

No meio disto o que há com fartura é um clima de barata tonta, de atraso permanente, de estar em falha, de esquecer coisas. No meio disto, uma ida ao cabeleireiro, umas compras pessoais mais demoradas, uma conversa leve numa esplanada fora do tempo, tem sabor de quase delito, quase pecado. No meio disto, parece que até é razoável não se saber a quantas se anda, não ter a certeza para onde se vai, perder o pé e correr nos dias como se fossem os dias que tivessem querer e nos levassem, nos puxassem. Poder pensar significa, neste contexto, o ser capaz de algum afastamento afectivo em relação a uma espécie de realidade alucinada em que se cai, nem que seja por mera distracção. Quando isso se consegue, habitualmente em esforço e em exercício de controlo da vontade, torna-se possível não só pensar em nós como pensar em tudo o resto. Com muitos bons resultados, diga-se.

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