12 de abril de 2011

" Isto é intimidade: a troca de histórias no escuro. Para mim, este acto, o acto de conversar no silêncio da noite, ilustra, mais do que qualquer outra coisa, a curiosa alquimia do companheirismo. Porque quando Filipe descreveu a braçada do pai, agarrei naquela imagem e costurei-a cuidadosamente na bainha da minha própria vida e, agora, carregarei isso comigo para todo o sempre. Enquanto for viva, e mesmo muito depois de Filipe já ter partido, a sua recordação de infância, o seu pai, o seu rio, o seu Brasil, tudo isso terá passado a fazer parte de mim, de alguma forma.

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Nem mesmo a Stasi da Alemanha de Leste comunista - a força policial totalitária mais eficaz que o mundo alguma vez conheceu - conseguia escutar todas as conversas privadas em todas as casas particulares às 3 da manhã. Nunca ninguém foi capaz de o fazer. Por mais modesta, trivial ou séria que seja a conversa de almofada, essas horas sussurradas pertencem exclusivamente às duas pessoas que as partilham uma com a outra. Aquilo que se passa entre um casal sozinho, às escuras, é a própria definição da palavra "privacidade". E não estou apenas a falar de sexo, mas sobre o seu aspecto muito mais subversivo: a intimidade. Todos os casais do mundo têm potencial para se tornar, com o tempo, uma nação pequena e isolada constituída por duas pessoas - criando a sua própria cultura, a sua própria língua e o seu próprio código moral, que mais ninguém pode conhecer.

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Mas não podemos impedir as pessoas de quererem o que querem, e acontece que muita gente quer intimidade com uma pessoa em especial. E uma vez que não há intimidade sem privacidade, as pessoas tendem a repelir com força qualquer pessoa ou qualquer coisa que interfira com o simples desejo de ficar sozinho com o ser amado. Embora as figuras autoritárias ao longo da história tenham tentado reprimir este desejo, não conseguem que o abandonemos. Continuamos a insistir no direito de nos ligarmos a outra pessoa em termos legais, emocionais, físicos e materiais. Continuamos a tentar, uma e outra vez, por menos aconselhável que seja, recriar a figura com duas cabeças e oito membros descrita por Aristófanes como a epítome da união humana perfeita.

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Até certo ponto, então, Felipe tem razão: o casamento é um jogo. Eles (os ansiosos e poderosos) estabelecem as regras. Nós (os vulgares e subversivos) vergamo-nos obedientemente perante essas regras. E depois vamos para casa e fazemos o que diabo nos der na gana.

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Portanto, é aí que vou ficar - aí mesmo, nesse lugar de subversão serena, recordando todos os outros casais teimosamente apaixonados ao longo dos tempos, que também sofreram todo o tipo de intromissões irritantes até conseguirem aquilo que queriam: um bocadinho de privacidade onde praticar o amor. Nesse canto, finalmente sozinha com o meu amor, tudo ficará bem, e tudo ficará bem, e todas as coisas ficarão bem. "

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