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Personagem - "Não tenciono responder. Não mesmo. Além do mais, porque sei que daqui a bocadinho ele vai mandar outro recado pedindo desculpa pela agressão, vai dizer que está decepcionado comigo e depois vai declarar-se um ser humano normal que viu outra pessoa em mim, não gostou, e ficou muito zangado! (...) Os homens que escolhi eram todos narcisistas, vaidosos, imaturos, mais novos do que eu, inseguros e lindos, todos eles. Todos me usaram, todos abusaram de mim, todos se acomodaram e me mentiram e traíram. Eu a humilhar-me, esperando um telefonema, prato pronto na mão, café na cama, com pena de mim própria na minha tolerância elástica. Minto. Tive um namorado perfeito, um tipo espectacular que me entendia, que me dava liberdade, que era tudo de bom e que eu aguentei por um ano e meio, nem um minuto a mais. Melga, grande melga, um relacionamento sem adrenalina, chato, pegajoso, boa onda, boa conversa, nenhuma discussão, sempre disponível, vade retro. Obriguei-me a ele como se não tivesse em mim a perversidade. (...) É muito louco, mas só agora consigo identificar a patologia como se não fosse comigo, como uma entidade desprendida de mim mesma. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito quilos perdidos, e depois não choro mais. Às vezes dá-me preguiça, mas tenho uma árdua jornada a encarar pela frente. Tenho de mudar tudo em mim. Tudo, tudo. Há alturas nas quais... Porra meu, que seca, mas preciso descobrir do que é que EU gosto. Eu preciso de descobrir o que EU quero fazer, a minha profissão, eu preciso de me inventar. Atenção, inventar, não reinventar, pois considero que nunca existi até agora. Eu fui os outros, eu fui os homens que tive, os pais que me criaram, as amizades que logrei com os meus agrados, com as minhas personagens de conveniência, eu fui ninguém. Massa amorfa e moldável, fui tão somente o que eles queriam que eu fosse ou, pelo menos, aquilo que eu achava que eles queriam que eu fosse. Adaptei-me. Agora sou um feto, um girino, um ser em formação. Ando a viver um dia de cada vez, sem fazer planos. Ando a levar uma vida normal e até me relaciono com pessoas normais, dessas que muitos acham feias. (...) Vou-me transformar numa nova mulher! Olhe bem para mim, porque esta sou eu, repaginada!"
Expectativa - "É bem verdade que tenho um comportamento muito parecido, talvez igual, quando me encanto por alguém, por isso a situação não é nova. Sofrer, quero dizer. (...) Ora, quem sabe dos meus defeitos sou eu. Impaciente e ansiosa, tropecei muito na vida. Eu crio expectativas em relação às coisas, às pessoas, e, quando o que eu esperava não vem como deveria, lido com a frustração. (...) Para mim, o amor é entendimento, é independente do sexo, há conversa, amizade, sintonia, e eu tive tudo isso no meu casamento, mas era demasiado imatura para lidar com tanta responsabilidade. (...) Do que eu gosto mesmo é dos começos. O tempo estraga o resto e, às vezes, o resto começa muito, muito cedo. Está aqui a memória que não nos deixa mentir. (...) O meu orgulho é maior do que qualquer outro sentimento, neste instante, e preciso de dar o primeiro passo e de parar com esta mania de não conseguir ficar sozinha. O meu consolo é que ninguém é totalmente feliz! Há sempre uma situação dolorosa que se está a viver, mas que, depois de ter sido vivida, passa e só fica a lembrança, porque a dor em si vai-se embora."
Desespero - "Sou doente como uma alcoólica, como que precisa de se tratar e expurgar todos os dias as suas mágoas, temores, neuroses e expectativas, para não recair naquela droga que alivia, macia e confortável como veludo, e depois mata. (...) Eu sou aquela que se doa a cada vez que escolhe o amor. (...) Sonhos detonados: casa própria, casamento, rendição e confiança, a mulher em mim, a felicidade, tudo detonado. A minha armadilha fechando-se sobre mim mesma. E eu que só queria um grande amor. (...) Queria tanto ter ouvido: eu vou cuidar de ti e vais ficar o resto da vida comigo. Era isso que eu queria ouvir. Sou menos corajosa do que sou. Auto-destrutiva, possuo em mim uma força que me inferioriza, que me derruba. Coloco-me sempre um pouco abaixo de alguém. Sempre. É a minha postura. Procuro controlar-me. A forma sofrida de amar está a transformar-se em dúvidas existenciais. Não sei explicar o que ainda não tem explicação. Tudo o que sonho ou penso e não faço passou a uma discussão filosófica, distanciou-se do material e entrou lenta e sinuosamente nos desvãos do meu cérebro. Milhares de milhões de neurónios activos. Se amar não é entregar tudo, o que é? Analiso-me. Neste segundo. Mais. A vida pode ser leve e saudável fora destes meus muros. Preencho algumas falhas. Descubro outras. Ainda não encontrei a razão que justifica esta sensação de que me falta alguma coisa. Desde menina. Mas alguma coisa falta em mim e não sei o que é."
Reconstrução - "Apaixono-me por gente que não tem nada a ver e tenho medo da intimidade. E é muita loucura, porque eu aceito as migalhas. Se olhou para mim, e chegou aqui ao pé, acho que devo premiá-lo pela sua ousadia, e penso que gostou de mim e que me quer namorar. (...) Eu, parvinha, a acreditar na ilusão de que comigo ia ser diferente. Pois sim! (...) Digamos que estou em reconstrução. Quanto a ser feliz, acontece quando consigo fazer algo por mim. Ficar em casa num fim-de-semana, pintar as minhas unhas, sair-me bem numa prova, estar de bem comigo mesma, isto é ser feliz. (...) A minha verdadeira passagem para o mundo novo, a minha reconstrução definitiva, vai dar-se quando eu perdoar esse mesmo passado, quando eu conseguir deslizar pelas minhas memórias, caminhar comigo mesma e não me recriminar, nem me envergonhar. Eu quero o destino de um anjo! Ou de um ninja!" :)
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